segunda-feira, 3 de agosto de 2009

vizinhos.

Vivo há 20 anos no mesmo lugar. Tive uma infância impecável, onde diariamente me divertia com tantos amigos, brincando de tudo, tudo que na minha época era permitido e apaixonante. Moro num condomínio, com 9 prédios. A quantidade de crianças sempre foi o atrativo para moradores se encantarem com o espaço. Eramos um grupo, com infinitas qualidades e defeitos, mas unidos. Eramos vizinhos, que todo dia gritavamos os nomes em janelas para que a brincadeira começasse. Tudo era perfeito. Os lanches feitos pelas nossas mães, as nossas brincadeiras, a praia a qual nos aventuravamos, e o início da nossa adolescência.

Em todo grupo temos um líder, sempre aquela voz que nos une, e dita o tom da festa. No nosso, de tantas crianças, não seria diferente. Tinhamos o João 'Gago', ele realmente era gago. Mas era a pessoa mais animada do mundo, que nunca deixou de brincar mesmo crescendo, que sempre tratou todos da mesma forma, e protegia a todos, como um verdadeiro líder. Nossa adolescência não nos afastou, nos uniu. Eram dias e dias que ficavamos noites inteiras conversando, brincando com os jogos de tabuleiros e não perdendo a essência de nada que nos rodeava.

João era vascaíno. Lembro exatamente do domingo, que recebemos a notícia que ele faleceu. Na saída de um Vasco x Fluminense, ele morreu por balas perdidas de uma briga de torcedores do Vasco. Foi a pior notícia que poderíamos receber naquela época. Foi triste demais. Não sei se no fundo, João sabia o quanto representava para todos nós, mas com certeza, no céu, pode entender o amor que Ele semeava. João foi o divisor de águas da vida de um condomínio inteiro. Ninguém mas queria se ver. Ninguém mais queria conversar. Ninguém mais ousava brincar. Ninguém mais aceitava a vida, que até aquele momento era tão gostosa, sem o João. O tempo passou, e as pessoas foram se afastando, sem sentir ou sentindo, nosso grupo não existia mais. Como rir sem o João? Como rir sem sua alegria constante? Como brincar sem as trapalhadas que Ele fazia? Como conversar sem suas conversas sempre boas para quem estava crescendo? Nos perdemos..

Crescemos. Até hoje, muitos moram no mesmo condomínio, passamos um pelos outros, como se nunca tivessemos vivido tantos momentos juntos. Temos respeito uns pelos outros. Mas tudo mudou. Ficaram as lembranças, ficaram as alegrias e ficou principalmente essa tristeza, uma dor de pequenos adolescentes.

No meu prédio, a união jamais foi desfeita. Aqueles que desde meus 8 anos moram, continuam vizinhos fiéis, daqueles que cuidam um dos outros, emprestam açúcar, ou tomam conta da chave se necessário. Tenho minha vó emprestada, tenho a família que amo, tenho meu Tio e minha Tia. Tenho o cuidado e preocupação, e vice-versa. São personagens que pra sempre vão ficar, e que viveram meu crescimento.

Vizinhos pra mim, se tornaram extensão da minha casa. Lembro de tantos momentos em que Eles foram a salvação. Como a perda do meu Pai, em que todos os 'Tios' estiveram tristes pelo amigo perdido, mas solidários e apoiando cada minuto. Já me seguraram de convulsões, já correram atrás de médico nas horas mas incomuns, que minha mãe estava sozinha e perdia o controle, por me ver passando mal. Compartilharam todas as minhas perdas, e todas vitórias. Meu prédio, para mim, é uma exceção dentro do meu condomínio, junto com um condômino, um Senhor, distinto, de 60 anos, que se chamava 'Seu' Luiz.

Seu Luiz era energia. Seu Luiz era força. Seu Luiz era carismático. Seu Luiz era carinhoso. Seu Luiz era amigo. Seu Luiz era sonhador. Seu Luiz era contador de histórias. Seu Luiz apareceu com seu jeito único, baixinho, dizendo: Senhorita. Eu levei anos para conseguir fazer com que ele me chamasse de 'você'. No seu lindo pensamento, uma mulher, tinha que ser tratada dignamente, desta forma, como Senhora ou Senhorita. Seu Luiz me convência com suas palavras que todos os problemas do mundo, eram culpa do 'sistema'. Ele sempre esteve certo. E dessa forma, levavamos uma cumplicidade, onde ele me contava suas histórias de ontem e hoje, e eu dava gargalhadas. Seu Luiz era um apaixonado, um brasileiro apaixonado pela VIDA.

Seu Luiz faleceu HOJE. Numa queda solitária, no seu cantinho, no seu lar. Sem despedidas e só lágrimas. Seu Luiz era sonhador, e eu adorava embarcar nos seus sonhos... Uma estrela chegou no céu, brilhando, brilhando muito! E mais uma marca minha vida carrega.

"Você partiu e me deixou.
E nunca mais você voltou.."

3 comentários:

Veluma Nunes disse...

Querida , meus pesames com o acontecido ao seu vizinho viiu .
é muito triste perdemos alguém que gostamos, ontem também perdi uma vizinha minha . Avó de dois amigos , se chama Geny e eu cresci vendo ela frequentar minha casa, eu a chamava de avó , e ela dizia que um dia ainda ia ver uma matéria minha em um jornal famoso. To sentida, mas não triste, pois ela agora encontrou a "luz". Apesar de eu não ter religião eu sou uma pessoa de absoluta fé. Acredito muito em Deus e em seu poder, isso facilita minha forma de ver a vida. Fique com Deus e boa noite . Beijos!

ReNatinha disse...

Oi Carol, me desculpe a invasão, a verdade é que eu estava surfando em blogs a acabei por encontrar o teu, não hoje mas alguns dias atrás, como gostei da leitura e até chorei com as histórias sobre o seu condomínio, a história do João me remeteu aos meus 15 anos, qdo tb perdi uma pessoa assim, foi uma gostosa coincidência achar o teu blog, uma vez que vc para mim é conhecida, fui integrante do Papel Fuleiro, fiz parte da lista por uns dois anos e fui feliz lá, como todas eram, apesar de alguns desentendimentos. Hoje resolvi comentar aqui, já que venho pensando nessa história desde que a lí. Quanto a sua mais recente perda, só posso dizer que pessoas como ele existem pouquissimas em nossos dias, mas fica a lembrança gostosa dos momentos, histórias e gargalhadas. Espero que isso te conforte ao se lembrar dele.
Enfim vou agora, mas se permitir volto outras vezes...A vida é mais saborosa quando fazemos dela uma leitura né?!

Dementchi de Deus disse...

Lindo seu post sobre amigos. Aqueles tao cumplices e sinceros. Tive uma infancia muito parecida com a sua. Entendi exatamente o seu texto. Felizmente nao sofri perdas como a suas mas algumas foram tao fortes quanto.

beijo grande, Mauro Bello